Powered By Blogger

15.6.10

Identidade Hegemônica nas Páginas de ZH

A pesquisa de Ângela Cristina Trevisan Felippi teve como tema a Zero Hora. O material pesquisado foi de 2003 a 2006. Essa parte da pesquisa visa analisar o conjunto verbal e visual que compõe as notícias (chamadas, cartolas, linhas de apoio, textos, fotos, legendas de fotos, corpo das notícias, gráficos, tabelas, ilustrações e principalmente os títulos, entre outros componentes) e como a empresa se relaciona com o seu receptor. Um indivíduo, ao ver da empresa, receptivo as estratégias discursivas montadas pelos repórteres, editores, fotógrafos, ilustradores e diagramadores.

A produção seleciona o que é notícia. Os repórteres consultam fontes especificas e constroem o texto a partir do valor-notícia da produção. Estudos sobre os discursos foram utilizados para falar sobre o conteúdo ZH. O que não estaria colocado nas páginas do jornal, não teria acontecido ou não teria sido suficientemente importante. A intenção é entregar um jornal feito a partir de um “olhar gaúcho”. No discurso jornalístico ZH usa-se a linguagem impessoal, com pouca ou nenhuma adjetivação no texto, uma ordem direta das frases, que gera um efeito de objetividade e de literalidade, e o uso de palavras consideradas de uso corrente e com menor polissemia, entre outros artifícios.

Para exemplificar a sua pesquisa, Ângela analisa os títulos e um pouco os textos que chamam a atenção pelo seu “localismo”. O esforço do trabalho foi identificar o que os títulos enunciados podem causar, na tentativa de ordenar o real e nortear a leitura.

A palavra “gaúcho”, a mais usada pelo jornal, tem um sentido positivo no imaginário social que associam os gaúchos aos ideais de bravura, coragem, pioneirismo, iniciativa e superioridade. No interior dos textos jornalísticos é menor a presença da denominação “gaúcho”. Já nos títulos o olhar mais atento dos editores assegura a linha editorial do jornal. A ZH se utiliza também do termo “gaúcho” para noticiar um fato não necessariamente positivo.

Os tópicos de pesquisa

Ângela classificou os títulos em 7 tópicos:

O acontecimento local; São materializados nas notícias os bons ou maus exemplos feitos pelos gaúchos, iniciativas de valor, histórias de vida, entre outros. Acontecimentos muito focalizados no Estado. Exemplo: Quanto custa viver no RS (Capa, chama para notícia na editoria de Economia, 18-09-05)

A produção cultural; Transformam-se em notícia no jornal porque se enquadram nos critérios de “localismo”, além dos de proximidade, relevância/importância para o público alvo. Ou seja, são pautas constantes, especialmente nas editorias relacionadas à cultura e variedades, que são os cadernos “Segundo Caderno” e “Fim de Semana”. Os cadernos destinam um significativo espaço para os acontecimentos culturais locais, embora não seja tão grande quanto o ocupado com eventos ou produtos nacionais e internacionais. Os textos trazem a idéia de superioridade do gaúcho referente a produção cultural dos demais Estados. Exemplo: Cinema gaúcho premiado.

As celebridades; Os gaúchos famosos são noticiados em destaque em diferentes editorias do jornal: esporte, moda, economia, política, cultura, televisão, entre outros. Percebemos duas situações neste caso: a primeira quando os personagens noticiados são naturais no Rio Grande do Sul, denominados como gaúchos e a segunda situação, quando o jornal se vale da memória social para não precisar denominar a celebridade como gaúcho. Dentre as celebridades que não precisam de denominação estão a modelo Gisele Bundchen, o jogador de futebol Ronaldinho Gaúcho, a ginasta Daiane dos Santos e a escritora Lya Luft. Essa atitude é classificada como jornalismo soft, no qual a imprensa dirige sua cobertura mais para diversão do que informação. Exemplo: Fantástica Dai (Esportes, 26-11-05) (sobre a atleta Daiane dos Santos).

O cidadão comum; Os personagens dos textos jornalísticos em ZH valorizam os cidadãos comuns, elevados à condição de fontes principais da notícia. Pessoas comuns que se transformam em notícia por uma situação especial, aliada a sua condição de gaúchos. A presença do leitor nas páginas do jornal se dá pela carta do leitor, pelas sugestões de pauta encaminhadas por e-mail ou telefone, pelos concursos de redação de notícias (geralmente para jovens), pela publicação de fotografias amadoras, pelos comentários sobre fotografias feitas pelo jornal, pelas enquetes e opiniões, por publicações de histórias ou situações de vida peculiares ou por ter participado de eventos mundiais, etc. Um “olhar gaúcho” particular, que só um nascido no Estado poderia dar, o testemunho sobre determinado acontecimento de impacto mundial que seria compreendido culturalmente pelos seus conterrâneos.

A interação jornal-leitor é uma jogada empresarial, que vê no envolvimento do leitor uma maneira de se aproximar da audiência e ampliar a venda. Foi por causa dessa prática que o grupo apostou no Diário Gaúcho. O produto informativo se dá pelo espetáculo, busca pela visibilidade pública e confunde o leitor, vendendo entretenimento como informação. Exemplo: Jovens gaúchos se preparam para encontrar Bento XVI (Geral - 08-08-05).

O movimento tradicionalista; A agenda do Movimento Tradicionalista Gaúcho é um dos mais importantes temas para as notícias as quais a identidade gaúcha é construída. Os eventos que envolvem o MTG estão nas comemorações da Revolução Farroupilha, especialmente a Semana Farroupilha, os festivais musicais e outras promoções da cultura gaúcha como bailes, escolhas de primeira prenda, encontros folclóricos, acampamentos, desfiles, mateadas, rodeios, entre outros. Nenhuma outra cultural regional (não hegemônica) do Estado recebe tamanha atenção como a gaúcha. Há um uso recursivo de palavras e expressões características do linguajar gauchesco, denotando uma adaptação da linguagem jornalística a uma linguagem própria de uma cultura. Há uma preocupação com os títulos para a linguagem típica da cultura gaúcha. Exemplo: Gaúchos criam CTG em Paris (Geral, 19-10-05)

As comemorações da Revolução Farroupilha; No dia do gaúcho, quando no Rio Grande do Sul ocorrem inúmeros eventos de celebração, há um número maior de enunciados que dão conta de quase toda a totalidade de notícias publicadas no período sobre as comemorações farroupilha. No mês de setembro, a ZH habitualmente dedica um considerável espaço para a cobertura dos eventos oficiais e não-oficiais relacionados às comemorações do aniversário da Revolução Farroupilha. Praticamente todas editorias, em algum dia, de algum modo, trazem relatos relacionados ao evento farrapo ou à cultura gaúcha.

A cobertura do jornal se estende para os espaços de opinião. E a presença do assunto extrapola o espaço editorial. Grande parte dos anunciantes, especialmente os de maior poder econômico, publicam anúncios que fazem alusão à data. ZH também costuma distribuir brindes como a bandeira do Rio Grande do Sul ou adesivos de outros símbolos da cultura gaúcha. Há, novamente, uma adaptação da linguagem jornalística ao linguajar gauchesco. É um movimento em busca da ampliação e satisfação da audiência (imaginada) gaúcha. Exemplo: Brilha centelha dos Farrapos (Geral, 27-08-05)

Os valores simbólicos; As construções discursivas realizadas são cunhadas na memória social sobre o gaúcho, a história do Rio Grande do Sul e cultura gaúcha. A memória acaba por agir sobre os sentidos do presente, interferindo na elaboração das significações sobre a notícia de uma forma talvez mais contundente que nas tematizações anteriores. As construções discursivas parecem embutir forçosamente uma intenção da produção de seduzir o leitor por meio do apelo identitário. Há a predominância de construções conservadoras e de senso comum sobre a condição de gaúcho, inclusive dando conta de uma superioridade, apelando para um recurso básico da construção identitária, a diferenciação em relação ao “outro”, seduzindo o receptor pela afirmação da superioridade. Exemplo: Gaúcho osso duro (Esporte, 29-09-05) (sobre tenista que conquista vitórias).

As competências de recepção

Na pesquisa de Ângela não foi abordado um estudo de recepção, mas intenciona esboçar alguns conceitos e entendimentos de como se dá o consumo deste jornal. O intuito da pesquisa, portanto, foi entender como se realiza a interação entre jornal e leitor e como a empresa o faz. A ideia de ZH é elevar o receptor ao papel de ativo. Podendo interferir na produção jornalística, no processo de confecção do jornal e, conseqüentemente, nas significações depositadas no texto pelos produtores das notícias.

Na Zero Hora, essa “influência” do receptor se dá por meio dos mecanismos criados pelo próprio jornal. Um movimento circular da informação. Uma jogada administrativa que vislumbra a fidelidade do seu “cliente-leitor”.

A ZH tem cinqüenta e cinco formas distintas de se comunicar com seu leitor. São novas práticas de aproximação do jornal com o leitor, somadas às tradicionais que interagem com os setores de redação, circulação, marketing e publicidade. Na Redação de ZH, o atendimento ao leitor passa a ser de todos. Até capacitações são realizadas para melhor atender o leitor. Saber ouvir o leitor, interpretar suas demandas, dar retorno e deixá-lo sentir que o jornal é seu.

As pessoas querem opinar, querem interagir, interferir ou até mesmo fazer o jornal (a TV, o blog, o conteúdo para celular etc.). Os meios de comunicação não podem mais funcionar numa via de uma só mão (do veículo para o público). Novas formas de inter-relação entre produtores e consumidores estão muito abrangentes na imprensa, entre eles o de dar visibilidade e valor ao seu receptor.

São recebidas aproximadamente cem cartas ao dia. De janeiro a setembro de 2006, por exemplo, o número total de cartas foi de cerca de dez mil, que chegaram por correio tradicional, eletrônico e fax. Os profissionais do setor atendem ainda por telefone e pessoalmente, tanto reclamações sobre o jornal e sobre o poder público, especialmente, até sugestões de pauta. Parte do que o leitor coloca ao jornal, sistematicamente, é enviado à redação, para o diretor de redação, aos editores chefes e os editores executivos das editorias.

A empresa tem 17.509 leitores cadastrados (até a data da entrevista), que são catalogados por nome, profissão, endereço e telefone. Diferentes instâncias do poder econômico e político e grupos do terceiro setor valem-se do jornal para conquistar visibilidade pública. Atualmente, Zero Hora é líder em todas as regiões do Estado em relação ao seu concorrente principal, o Correio do Povo, perdendo para os principais jornais regionais, mas sua a circulação predomina na área Metropolitana.

A faixa de público atingida pelas pesquisas do jornal confirma a tendência de circulação pelas classes média e alta. A assinantes e leitores eventuais são, portanto, das classes A, B e C. O sexo feminino e o masculino têm um percentual igual de consumo do jornal. 50% dos seus leitores estão na faixa entre 20 e 39 anos e o restante é distribuído principalmente na faixa etária acima dos 40 anos.

O jornal oferta ao seu leitor distintos cadernos, procurando incluir diferentes públicos e interesses. Embora a ZH atinja públicos das classes sociais mais altas e não seja identificado como um jornal popular, suas estratégias editoriais vêm tendendo para uma popularização e interiorização no Rio Grande do Sul. As mudanças feitas pela ZH são reações a novas mídias e a novos cenários econômicos e sociais da contemporaneidade.

Percepções

A pesquisadora não expandiu os seus estudos para um movimento circular de análise. De certa maneira, ela parou sua pesquisa após apresentar os dados de interação que a ZH tem com o seu leitor. Ela poderia ir além. E ter investigado como o público enxerga o jornal e, por a prova, se o esforço de interação que o jornal quer estabelecer com ele é ideal.

Como ela afirmou no início da tese, a pesquisa não se trataria de um estudo de recepção. Ela reconhece que a recepção é um movimento moderno de estudos de comunicação, mas que o seu foco não chegaria a esse limite.


Resumo da pesquisa para a cadeira de Mídia e Recepção da Famecos, ministrada pela Ana Carolina Escosteguy.

Nenhum comentário: